Eu queria te contar que agora não dói mais. Só que
agora não importa tanto o que você vai pensar sobre isso. Queria que
você soubesse que já vi nossos filmes milhares de vezes e nem chorei.
Ok, chorei. Mas pelo filme, e não por você. Queria que você soubesse que
tirei a poeira das nossas músicas, e que as ouço quase todos os dias.
Porque elas me faziam mais falta do que você fez. Os nossos lugares não
são mais nossos. Eu já voltei lá com outras pessoas, e escrevi lá outras
histórias… Eu estou aprendendo a tocar violão. E a primeira música que
toquei foi aquela música que era uma espécie de hino pra nós dois. Ela é
tão linda… E sim, ela continua sendo muito nossa e lembrando demais
você. Mas ainda sim, não dói. Você não pergunta essas coisas, mas sei
que gostaria de saber. Porque te conheço. E isso não mudou. Do mesmo
jeito que adivinhei as coisas ruins que você aprontaria, eu sei as
coisas boas que ficaram aí em você e te fazem lembrar de mim. Porque a
vida segue. Mas o que foi bonito fica com toda a força. Mesmo que a
gente tente apagar com outras coisas bonitas ou leves, certos momentos
nem o tempo apaga. E a gente lembra. E já não dói mais. Mas dá saudade.
Uma saudade que faz os olhos brilharem por alguns segundos e um sorriso
escapar volta e meia, quando a cabeça insiste em trazer a tona, o que o
coração vive tentando deixar pra trás.
— Caio Fernando Abreu
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